“Um Clube Vivo é um Clube Participado”


I) A Génese do Clube do Sargento da Armada… por Artur Lopes Ribeiro.

15-08-2015 06:02

A gestação do Clube terá começado na Fragata Magalhães Correia, no espaço acanhado de uma câmara de Sargentos. (*) O navio preparava-se para integrar a esquadra da NATO, cujas manobras, nesse ano, teriam lugar na Europa. Vivia-se um óptimo ambiente a bordo, aberto e

politizado, por influência de alguns elementos da guarnição.

Tem interesse lembrar o ano de 1974, quando neste navio foi criada uma Comissão de Bem-Estar que funcionava plenamente para satisfação de Oficiais, Sargentos e Praças, com estatutos próprios, cuja redacção teve a grande participação do nosso associado Lopes Martins, autor de muitos dos seus artigos.

Tomaram-se algumas iniciativas de índole cultural, visitas, idas a espectáculos e, sobretudo, a aquisição de muitos livros escolhidos de forma não muito inocente, no que concerne a temas. A navegar pela Europa e a atracar alguns portos dos muitos países visitados, éramos, com frequência, convidados para os clubes de Sargentos, compartilhando com eles e suas famílias uma sã convivência, o que nos levava a ver e aprender e a sonhar.

Quando a esquadra passou por Lisboa não nos foi possível retribuir a gentileza dos convites de que tínhamos sido alvo. Alguns de nós convidaram um ou outro elemento para nossa casa, única maneira de não nos sentirmos mal com a nossa pobreza, tendo sido extremamente enriquecedor o contacto com camaradas de outras Marinhas.

O ano de 1974 já não estava distante e na nossa mente havia lugar e esperança para um Abril, que nesse ano aconteceu no dia 25. É que a bordo, sem sabermos como ou quando, já se cheiravam ventos de mudança.

Em Portugal, antes de 1974, o cidadão-Sargento era Sargento nas funções mas um cidadão pouco dignificado. Para a hierarquia, apenas um marinheiro mais graduado! Mas a classe ia, de forma lenta mas gradual, ficando mais esclarecida e havia já a ideia sobre o que era importante mudar. Sabíamos quais os objectivos a atingir. Aguardávamos, ansiosamente, pela oportunidade da mudança.

Ela surgiu em Abril de 1974. Não espanta pois, que, logo a 28 de Abril, ainda com as Forças Armadas em regime de prevenção e ainda a bordo da Fragata Magalhães Correia, se tenha redigido um texto profusamente distribuído pelas unidades, alertando a classe para a necessidade

de se unir e discutir a estratégia a seguir.

No dia seguinte, os Sargentos reuniram-se em enorme concentração, na Messe da BNL, apesar do comodoro, comandante da Base, nos ter negado essa intenção. A autorização para esse encontro surge nesse mesmo dia 29, coincidindo com a publicação em todos os órgãos de comunicação social de um documento histórico no processo pós 25 de Abril, “O Programa do MFA”.

Dessa reunião é nomeado um pequeno grupo com a responsabilidade de lançar as bases para acções que visavam ganhar representatividade para a classe, em várias áreas de interesse, inclusivamente, a criação de um Clube. Todos os passos e avanços foram dados a grande

velocidade; não havia mais tempo a perder.

Em Lisboa, instalações onde funcionavam serviços afectos ao regime derrubado, estavam a ser ocupados pelas Forças Armadas.

Da Magalhães Correia é autorizada a saída de dois jovens Sargentos MQ’s, Miranda e Pascoal para “varrer” a cidade até descobrirem um espaço que servisse para a implantação do tão desejado Clube. Foram bem sucedidos, pois encontraram aquele que viria a ser a nossa primeira Sede Social, local espaçoso e bem situado, onde antes tinha funcionado a Acção Nacional Popular, partido único, suporte do regime Salazarista e Marcelista.

Havia que conquistar o direito a ocupar essas instalações.

Pensámos ser isso possível através da Junta de Salvação Nacional, a funcionar no Palácio da Cova da Moura. Aí nos dirigimos a 10 de Maio e de lá saímos com uma credencial que nos dava o direito a ocupar as instalações. Mas também trouxemos alguma mágoa, pois não conseguimos, durante todo o dia, que a mesma fosse assinada por quaisquer dos membros da Armada que integravam a Junta de Salvação Nacional. Felizmente, alguém com algum risco e imensa solidariedade, juntou a sua impaciência à minha, redigiu-a e assinou-a.

A 14 de Maio, das mãos do 2.º Tenente Cunha Lauret, recebemos as chaves das instalações. Mas que dias estes foram para nós, os dias 10 e 14 de Maio, pelo que representavam em termos de conquistas conseguidas!

De posse do espaço, a primeira acção foi proceder à sua limpeza e, aí, as esposas dos Sargentos foram extraordinárias. Após alguns dias de trabalho, as instalações ficaram apresentáveis e, logo depois, teve lugar a eleição de uma Comissão Instaladora composta pelos Sargentos Orlando Baptista da Silva Lourenço, Artur Lopes Ribeiro, José Maria Valente Teixeira e Manuel Sousa Claro.

A 12 de Junho de 74 foi enviada uma circular para as unidades de Marinha solicitando, entre outros pontos, que em cada unidade se constituíssem comissões para funcionarem como elos de ligação ao clube e que, entre outras tarefas, se encarregariam de enviar a listagem dos camaradas aderentes. Começou, assim, a organização dos ficheiros e o número de associado a ser atribuído em função da chegada das listas.

A 22 de Julho, foi enviada às unidades uma outra circular a convidar os Sargentos a apresentarem desenhos com motivos que julgassem mais indicados para símbolo do Clube. Dizia-se, ainda, que as portas das instalações abririam proximamente aos associados, com o objectivo de ser escolhido, entre os desenhos recebidos e expostos, aquele que fosse do agrado da maioria. Foi escolhido o símbolo que hoje todos conhecemos e de que foi autor o associado Viriato Hermínio

da Silva Viana.

A classe acreditava em nós. Efectuaram-se muitas reuniões e elaborou-se um caderno reivindicativo presente ao CEMA de então, Almirante Pinheiro de Azevedo, que o aprovou. Entre muitos pontos, lá estava como prioridade, a criação de um Clube.

Palavra hoje muito banalizada, “REIVINDICAR”, e que não fazia parte, à época, do nosso vocabulário, foi aqui, pela primeira vez utilizada, com sentido de oportunidade, com força e determinação.

Para dar alguma cobertura legal à ocupação das instalações pelos Sargentos, a Marinha, na pessoa do Comandante Silvano Ribeiro, aconselha que às mesmas seja dada o nome de “CONSELHO TÉCNICO NAVAL” mas, dada a natureza deste órgão consultivo da Armada e, pelo facto de a sua estrutura orgânica não contemplar a presença de Sargentos, o Comandante Augusto dos Santos propõe que às instalações se passe a chamar “CASA DO MILITAR DA ARMADA – SECÇÃO DE SARGENTOS”.

Apesar do 25 de Abril, houve alguma dificuldade por parte de alguma hierarquia, menos arejada, em aceitar a existência de um Clube, de e para Sargentos. Mas o processo era já irreversível. Constituiu-se uma Mesa para elaborar os estatutos, composta pelos então Sargentos Luís

José dos Ramos, Artur Lopes Ribeiro, José Maria Valente Teixeira e Carlos dos Santos Lages.

São discutidos os estatutos em três Assembleias Gerais que têm lugar a 25 de Janeiro, 15 e 22 de Fevereiro de 1975 e foi esta última que culminou com a elaboração e aprovação dos estatutos, a data escolhida para dia do Clube, o dia do seu real e efectivo nascimento.

Com os estatutos aprovados pela classe surgiu a hora de solicitar ao CEMA, Almirante Pinheiro de Azevedo, o reconhecimento da nossa existência como Clube, tendo este, para o efeito, determinado a sua publicação em Ordem e, com essa publicação, a mudança da designação

“CASA DO MILITAR DA ARMADA – SECÇÃO DE SARGENTOS” para, e em definitivo, “CLUBE DO SARGENTO DA ARMADA”.

Em 12 de Abril de 1975, as portas do Clube são abertas aos associados e seus familiares e dá-se início a uma intensa e participada vida associativa. É nesta data lançada a “campanha da garrafa”, que tem grande acolhimento entre todos e que determina a posterior abertura do bar, equipamento indispensável nas instalações. O Clube, compreensivelmente, era visitado, diariamente, por elevado número de associados e familiares, que faziam questão de conhecer as instalações.

A 28 de Junho, com as instalações cheias de gente feliz, usando os seus melhores trajes, os associados e familiares esperaram pela chegada do Almirante Pinheiro de Azevedo, que fez questão de, connosco, proceder à inauguração oficial do clube, agora e para sempre,

CLUBE DO SARGENTO DA ARMADA, tendo mesmo oferecido o estandarte ao clube.

Segue-se um período dedicado a melhorar as instalações, a criar motivos de interesse para os sócios, sala de estar para senhoras, sala de jogos, etc., etc. Realizam-se convívios, fazem-se exposições e palestras. É um clube com uma vida social intensa.

Foi um caminho trilhado por todos, com muita garra, nem sempre fácil e algumas decisões e conquistas tiveram parto doloroso.

Era bonito e justo falar de todos quantos deram o seu melhor para que o nascimento do Clube fosse uma realidade. Não vou referir nomes, pois, irremediavelmente, me esqueceria de muitos e não quero correr esse risco. Foram muitos, tantos, que não cabem neste espaço, mas todos, mais uma vez digo, têm um lugar muito especial no nosso coração, muitos já, na nossa saudade.

Em Maio de 1976, foi entregue no Governo Civil de Lisboa a documentação necessária para a legalização jurídica do Clube, com identidade própria e independente da hierarquia militar.

Tudo quanto descrevo se refere e não de forma exaustiva, a alguns dos passos para que a criação do Clube fosse uma grande conquista.

Nasceu, deu os primeiros passos com os seus criadores e hoje, já adulto, mostra, no dia-a-dia, que tem pernas e cabeça para andar e se orientar. Assim vai ser. Os dirigentes de hoje e de amanhã saberão manter viva a chama do associativismo entre a classe, continuarão a projectar no futuro os valores morais estatuídos, de que muito nos orgulhamos.

Por último e para reflexão de quem de direito, ainda o seguinte: o Clube, segundo os seus Estatutos, visa promover a formação social, moral e intelectual dos seus associados. No seu quarto de século de vida já deu provas bastantes de ter vindo a cumprir, de forma exemplar, esses objectivos. Os seus associados são cidadãos solidários, valorizados e conscientes, valores que o Clube promove e com os quais todos eles comungam. A Armada beneficia com toda essa mais-valia uma vez que, se o País ganha um cidadão mais consciente, a Armada ganha um militar mais responsável. Não desmereceria o Clube, no meu entender, a formalização do reconhecimento desse mérito por parte das entidades civis e militares que têm responsabilidades nesta área de acção, já que este Clube, de forma exemplar, tem vindo a prosseguir os objectivos estatuídos, de forma a recolher o reconhecimento público do meio social em que está inserido.

Este depoimento foi pedido ao Artur Lopes Ribeiro, pelo sargento Manuel Custódio de Jesus, na altura, membro da Comissão para as Comemorações do 25º Aniversário do CSA, que teve como lema: “25 anos ao serviço da cultura” e que seria publicado no Boletim do Clube, uma edição dedicada às referidas Comemorações.

(*) Em 1967 já um grupo de sargentos, tem essa preocupação e visita unidades da Força Aérea onde estavam implantados clubes (nomeadamente, na Base Aérea nº 6, no Montijo) para verificar se seria viável implantar na Marinha um clube semelhante. Mas depois de verem como funcionava e lerem os seus Estatutos, decidem não ser essa a melhor solução. Falaram, então, com o Cte da Base Naval de Lisboa (BNL), que autorizou a criação de um Bar na messe de Sargentos, por

eles dirigido, enquanto as condições não permitissem melhor alternativa. Com o lucro da exploração desse bar, nesse ano de 1967, protagonizaram uma campanha de solidariedade, prestando e levando ajuda às vítimas das cheias em Sacavém, fornecendo-lhes roupas.

Este bar funcionou até ao levantamento militar que derrubou o fascismo, em 25 de Abril de 1974. Nele se conspirou contra o fascismo, se preparou a manifestação em 1968 na Avenida da Liberdade, a qual só não se concretizou por o governo ter cedido e criar um subsídio, a

“mini-saia” como se lhe chamou. Em 1970 realizaram-se reuniões para se reivindicar aumentos e melhores condições de Bem-estar; em 13 de Março de 1970, realizou-se uma reunião com delegados de quase todas as unidades, na qual, um dos organizadores já não participou por

ter sido preso por ordem da PIDE.

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